Notícias e Blog

Como as Normas Técnicas garantem Segurança em Transportes Marítimos de Produtos Inflamáveis?

Este artigo técnico é resultado de vários anos de experiência em projeto e fabricação de embarcações que transportam derivados de petróleo na navegação interior, principalmente, na região amazônica. Nosso foco aqui é tratar das características operacionais e exigências técnicas quanto às Válvulas de Alívio de Pressão e Vácuo com Corta Chamas nos bocais de respiração dos tanques.

Toda embarcação tanque para transporte e movimentação de líquidos inflamáveis, como derivados de petróleo (gasolina, diesel, nafta etc.,), além de outros como etanol, ou produtos químicos inflamáveis em geral, por exemplo, são potencialmente perigosos, e requerem muito cuidado e proteção. 

Os cuidados vão desde um projeto e fabricação tecnicamente aceitáveis, e, que devem atender rigorosamente à todas as Normas Técnicas vigentes, como durante a operação nas manobras de transporte, carregamento e descarregamento, pois qualquer acidente, como um amassamento, rompimento ou trinca, decorrentes de um excesso de pressão interna dentro do tanque, poderá colapsar a embarcação, com consequente derramamento de líquido inflamável com potencial transbordo, não só poluindo o meio ambiente, como impondo importante prejuízo financeiro. 

Não menos importante, outro fator de grande criticidade é que, por serem altamente inflamáveis, qualquer fonte de calor, como descarga atmosférica, por exemplo, ao atingirem os vapores que saem das válvulas, ventes ou respiros dos tanques, poderá ocorrer uma grande catástrofe, com a possível perda da embarcação e pior ainda, de vidas humanas.

Toda vez que carregamos um tanque, enchendo-o de produto, aumentamos sua pressão interna, logo, se não permitirmos que os vapores saiam numa quantidade suficiente, ao ponto desta pressão superar a pressão de projeto do tanque (PMA), poderemos comprometê-lo estruturalmente e até rompê-lo.

Inversamente, quando retiramos produto do tanque no descarregamento, se não compensarmos a pressão negativa (vácuo) gerada, admitindo ar pelas válvulas, ventes, ou respiros, de modo a equalizá-la, também poderemos comprometê-lo estruturalmente, caso os valores atingidos superem os valores de projeto (PMA).

Outras condições que também poderão gerar um aumento ou diminuição da pressão interna do tanque, decorrem da movimentação do líquido no tanque durante a navegação, como pelo aumento ou redução da temperatura externa, respectivamente, embora com menor criticidade, uma vez que há baixa exposição em face da imersão.

Em face disso, duas condições operacionais são exigidas por normas e que devem ser rigorosamente atendidas de forma simultânea e integrada, para a proteção dos tanques de carga: necessidade de vazão mínima de alívio, para garantia das pressões positiva e negativa, dentro dos limites estabelecidos em projeto e dispositivo ou sistema, contra a incidência de chama.

Existem algumas formas de prevenção, mitigação e até eliminação destes riscos, porém o mais econômico é a utilização de Válvulas de Alívio de Pressão e Vácuo com Corta Chamas nos bocais de respiração dos tanques, sobre as quais, temos que farei uma abordagem técnica acerca de sua adequada especificação, dimensionamento, certificação, aplicação, operação e manutenção / calibração, tentando separar o que é mito e o que é verdade.

A Normam 202, no item 0522 (Embarcações com AB superior à 20), parte III (tanques de carga), define as Normas ABNT-NBR ISO 28300 para dimensionamento e ensaios de vazão, para que as sub e sobre pressões não ultrapassem a PMA do tanque, bem como a ABNT-NBR-ISO 16852 para os ensaios de chamas, para as Válvulas de Alívio de Pressão e Vácuo com Corta Chamas integrado

A Válvula de Alívio de Pressão e Vácuo com Corta Chamas Integrado é um dispositivo constituído basicamente de uma carcaça com câmaras internas (pressão e Vácuo), atuadas por obturadores que condicionam as pressões positivas e negativas do tanque, mantendo-as dentro de seus limites.

Uma imagem contendo Diagrama

Descrição gerada automaticamente
Diagrama

Descrição gerada automaticamente

Quando o tanque é carregado, ou aquecido, os vapores internos se expandem, aumentando a pressão interna, forçando o obturador de pressão para cima, deslocando-o da sua sede de assentamento, permitindo a saída dos vapores para fora do tanque, equilibrando a pressão. 

De forma inversa, quando retiramos produto do tanque, ou este é resfriado, ocorre uma contração volumétrica, gerando uma pressão negativa, que deslocará o obturador de vácuo, separando-o da sede, admitindo a passagem de ar atmosférico para dentro do tanque.

Com estas duas operações distintas, fica garantida a respiração do tanque e sua integridade estrutural, desde que o volume admitido ou expirado, sejam suficientes.

Normalmente os tamanhos ou DN disponíveis no mercado, variam de 2” (50 mm) à 14” (350 mm) e para cada necessidade de fluxo, um dado tamanho será especificado. Quanto maior o DN, maior a vazão proporcional da válvula. Mas cada projeto de válvula possui uma vazão específica para um determinado ajuste, essa informação pode ser consultada na curva de vazão do equipamento.

A Norma ABNT-NBR ISO 28300, no seu item 4.3 ou alternativamente em seu anexo “A”, definem as vazões mínimas requeridas para cada tanque, levando em consideração vários fatores, como tipo de produto, vazão de carregamento e descarregamento das bombas, volume do tanque, latitude de localização de instalação do tanque e temperatura média da região, para tanques estacionários, entre outros aspectos.

Já no item 6.3, da mesma Norma, são definidos todos os critérios e métodos para se avaliar a performance de uma Válvula de Alívio de Pressão e Vácuo com Corta Chamas integrado, para obtenção da sua curva de vazão característica, de modo a se confirmar se uma determinada válvula, num dado tamanho (DN) à uma dada pressão, terá capacidade suficiente de aliviar o que se espera dela, de modo que ela não gere uma pressão ou um vácuo que possa comprometer estruturalmente o tanque.

Já a Norma ABNT-NBR-ISO 16852, trata especificamente da proteção do tanque contra a irrupção de chama. Ela define os tipos de Corta Chamas, como o estático, dinâmico, hidráulico, deflagração, detonação, meio de linha, final de linha, define os métodos de ensaios, os métodos de uso, aplicação etc., ou seja, para cada tipo de aplicação ou necessidade, haverá um Corta Chamas próprio para atender, definido pela Norma.

Ambas as Normas (ABNT-NBR ISO 28300 e ABNT-NBR-ISO 16852), estabelecem parâmetros rigorosos de conformidade, visando sempre a integridade dos processos quanto a sua segurança operacional, e, portanto, se o equipamento foi submetido a todos estes ensaios, ele estará apto a ser instalado.

Existem duas formas técnicas de se atestar se um determinado equipamento atende a estes requisitos, a Certificação de Tipo (Type Approval), ou a verificação por um Terceira Parte habilitado e reconhecido, que testemunhe a execução dos ensaios para cada equipamento ou lote, emitindo o respectivo atestado de conformidade, para aquele equipamento ou lote, apenas.

A diferença fundamental entre um cerificado Type Approval e um atestado de conformidade do equipamento testado ou lote, é que neste (por equipamento ou lote), não há a garantia de que todos os futuros equipamentos serão fornecidos dentro da especificação original, e portanto, deve ser repetido para cada conjunto ou lote, diferentemente da certificação Type Approval, que além de validar projeto e os ensaios em laboratório ou bancadas, também valida o processo de fabricação, com auditorias periódicas e sistêmicas.

Outra condição perigosa e absolutamente indevida, adotada por algumas empresas que comercializam estas válvulas, é a montagem de componentes fabricados por empresas distintas, ou seja, compram ou até fabricam uma carcaça, compram o elemento corta chamas de outra empresa, montam e vendem como um único conjunto, e pior, argumentando de forma equivocada que o “equipamento é certificado”.

Definitivamente não! O fato de se ter um determinado certificado de algum componente, não garante a certificação do equipamento, do conjunto.

As Normas ABNT-NBR ISO 28300 e ABNT-NBR-ISO 16852 são claras e exigem que os ensaios tanto de vazão, quanto de chama, devem ocorrer no conjunto montado.

Quanto ao atendimento da Norma ABNT-NBR-ISO 16852 é crível admitirmos que não poderia ser diferente, pois todas as características são alteradas. Não há como testar o elemento corta chamas quanto a passagem de chama fora da válvula, pois qualquer gap ou folga entre um e outro, é suficiente para a passagem da chama e pior ainda, não há como testar a válvula somente, sem o elemento corta chamas, contra a passagem de chama.

Na mesma direção, também não é aceitável curvas de vazões distintas, uma para a válvula ou carcaça e outra para o elemento corta chamas. O conjunto deve ser testado, pois as perdas de carga são completamente diferentes e aqui cabe também uma abordagem à uma condição operacional exigida na Normam 202 e que pode se transformar em grande risco: a operação fechada ou selada!

A operação fechada ou selada, consiste em operar o enchimento ou esvaziamento de líquidos dos tanques de carga de uma embarcação, de modo que toda a respiração deste, expulsão dos gases ou admissão de ar, respectivamente, ocorra exclusivamente pela válvula de alívio de pressão e vácuo com corta chamas.

Os subitens 25, letra “C” (Requisitos e Procedimentos de Segurança) e 9, Inciso III (tanques de Carga), ambos do item 0522, definem claramente que: “Durante as operações de carga e descarga os tanques de carga deverão permanecer fechados, sendo proibida a abertura das elipses. Os gases dos tanques deverão circular apenas por intermédio das Válvulas de Alívio de Pressão e Vácuo (VAPV) e dos Corta Chamas (CC).”

Antes de se iniciar a operação, o operador deve acionar as alavancas de aberturas dos obturadores de pressão e vácuo, deixando a passagem completamente livre, daí a importância de se adquirir válvulas que possuam este recurso.

Infelizmente, não é raro algumas embarcações durante os procedimentos de carga, abrirem respiros ou elipses, sem qualquer proteção contra uma possível deflagração.

Por outro lado, caso se pretenda operar como definido pela Normam 202, fazendo com que o fluxo transite apenas pela válvula com o corta chamas, se este equipamento não for certificado, e, sua vazão não atenda o fluxo necessário, o tanque poderá colapsar.

Algumas válvulas vendidas no mercado e que não são certificadas, de forma indevida e perigosa, como descrito anteriormente, as empresas compram elementos corta chamas e montam na base destas, com o mesmo diâmetro do bocal de entrada, com altíssima perda de carga, justamente pelo fato do elemento corta chamas ser restritivo, pela sua própria construção e função. É um erro grosseiro, perigoso e que deve ser evitado, sempre!

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

Esclarecidos os pontos quanto a exigibilidade de testes de conjunto e sua devida conformidade aos respectivos ensaios, não sendo aceitável a montagem de componentes distintos sem a certificação do conjunto, dissertarei sobre outro “mito” indevidamente defendido por alguns.

No mesmo item 0522 (Embarcações com AB superior à 20), parte III (tanques de carga), da Normam 202, subitem 10, onde transcrevo de forma literal, diz que:

10) As Válvulas de Alívio de Pressão e Vácuo devem ser submetidas a testes de bancada a cada 24 meses, para a calibração dos valores da pressão de abertura e do vácuo, conforme dimensionamento previsto na alínea 4), e verificação da estanqueidade. No certificado emitido deverá constar a data da execução, o nome da embarcação e o tanque a que se refere. O certificado deverá ser emitido por empresas credenciadas na Rede Brasileira de Laboratórios de Ensaios – RBLE.

Cabe uma explicação que considero importante acerca de alguns ensaios e testes de conformidade, para entendermos cada um do ponto de vista técnico e sua aplicabilidade.

Até aqui discorremos sobre os ensaios de vazão (ABNT-NBR ISO 28300), para que as pressões positivas e negativas fiquem dentro dos limites da PMA do tanque, e sobre os ensaios contra a transmissão de chama (ABNT-NBR ISO 16852), que todo conjunto deve atender sendo testado de forma única, porém, depois de fabricado e testado, cada conjunto deve possuir uma calibração ou “regulagem” específica, ou seja, seu “set point”, ou pressão / vácuo de abertura e fechamento.

Este “set point” ou início de abertura, nada mais é do que o ponto onde a pressão interna do tanque começa a vencer a massa do obturador da válvula, iniciando o processo de passagem do fluxo, aumentando proporcionalmente até a pressão limite de projeto (PMA) do tanque, chegando à abertura total, aliviando todo o fluxo necessário, daí a necessidade que a curva de vazão característica do conjunto reflita a sua realidade e seja certificada por terceira parte, pois caso ela não atenda, poderá ser perigoso.

Dito isso, é necessário que à cada 24 (vinte quatro) meses, conforme determina o item 0522 -10 da Normam 202 (acima), todas as válvulas devem retornar à uma bancada de calibração para atestar se o “set point” está conforme projeto.

Nesta calibração é verificado apenas e tão somente o ponto de início de abertura e fechamento do obturador, ocasião em que, por ter sido retirada de operação ou estoque, dada a oportunidade, também será feita uma manutenção, com verificação visual de todos os componentes, identificando eventuais avarias, dando as devidas tratativas, limpeza, lubrificação, pintura etc. Estes serviços devem ser executados por empresas habilitadas e com certificação RBLE.

Equivocadamente, algumas empresas confundem um certificado de calibração RBLE, como sendo um certificado de conformidade de produto às Normas ABNT-NBR ISO 28300 e ABNT-NBR ISO 16852 e as vezes pior, em substituição à um certificado de tipo (Type Approval). É um erro crasso e sem qualquer amparo técnico!

Outra confusão existente, é a de que válvulas com certificação Type Approval, antes de serem instaladas, devem ser verificadas por um RBLE quanto ao seu set point. Não, estas válvulas por condição, já são calibradas e certificadas pelo próprio fabricante, quando saem da fábrica.

Ainda, pela própria condição de fabricante com certificação Type Approval, que por óbvio possui uma estrutura fabril compatível e auditada por um organismo de Terceira Parte, ele também está habilitado a calibrar as válvulas por ele fabricadas, depois de decorridos 24 (vinte e quatro) meses, se solicitado pelo cliente.

Sintetizando:

  1. Todas as Válvulas de Alívio de Pressão e Vácuo com Corta Chamas integrado, deve ser certificada conforme a Norma ABNT-NBR ISO 28300, quanto aos ensaios de vazão;
  1. Todas as Válvulas de Alívio de Pressão e Vácuo com Corta Chamas integrado, deve ser certificada conforme a Norma ABNT-NBR ISO 16852, quanto aos ensaios de chama;
  1. Nas duas Normas, o conjunto deve ser certificado de forma única, não sendo aceitos certificados de partes ou componentes;
  1. Além da certificação do conjunto, adquirir válvulas que tenham o recurso da alanca;
  1. Toda operação de enchimento e esvaziamento do tanque, deve ser “selada”;
  1. As calibrações à cada 24 (vinte e quatro) meses, executadas por um RBLE, não possuem qualquer relação com a certificação às Normas ABNT-NBR ISO 28300 e ABNT-NBR ISO 16852;
  1. O fabricante cuja válvula tem certificação Type Approval, pode calibrá-la periodicamente em substituição à um RBLE;
  1. Apenas uma certificação de Tipo (Type Approval), atende os requisitos exigidos.

Importante também destacar que como as Normas são claras, e certamente elas não retrocederão nos requisitos mínimos de segurança, em algum momento todas as válvulas que não atendam tais exigências, deverão ser compulsoriamente substituídas, por ocasião das renovações das licenças das embarcações, quer seja por determinação do DPC, dos Certificadores, dos Avaliadores e afins e até de seguradoras.

Outra condição importante é que, em dado momento, embarcações que não atendam os requisitos de segurança exigidos pela Normam 202, notadamente no cumprimento das Normas ABNT-NBR ISO 28300 e ABNT-NBR ISO 16852, terão grande dificuldade na renovação de seus seguros e pior, em caso de eventual sinistro, poderão não terem seus direitos devidamente reconhecidos, cujos prejuízos são incalculáveis.

Hoje, muitas empresas encontram-se nessa condição, correndo riscos desnecessariamente.

Portanto, como recomendação, oriento sempre aos meus clientes que ao adquirirem estas válvulas, o façam de empresas idôneas e que tenham a certificação Type Approval, pois além de garantirem seus patrimônios e a vida de seus colaboradores, não necessitarão comprá-las outra vez.

Autor: Engenheiro Naval: Cláudio Braga – Braccon Engenharia

Baixar catálogo

Preencha os dados abaixo para fazer o download do nosso catálogo.